25.5.14

40 de febril

vieram-se-me os ácidos ao existir
e eu já só enlouqueço
verdade que só enlouqueço.
já tudo a nada me sabe,
nem sei que escrevo
já são mais de quarenta degraus,
graus, peço perdão
não, não peço perdão
custam-me as escadas a subir,
mais valia quando as subia mesmo sem degraus
ficava com as lascas de madeira nos joelhos
ficavam em sangue as minhas mãos
só por tentar chegar mais alto

ah, enlouqueço
nem cinco correrias geladas nos banhos
me livram me limpam do averno 
cá dentro, mesmo cá dentro
chateio-me com os que chegam,
enlouqueço, enlouqueço

o filho pequeno da vizinha toca à
porta, entrega-me o gato
e pergunta que gritos foram aqueles
eu depois pergunto se ouviu bem
se tinha sido cá em casa
e ele só me diz que assim ouviu 

sobe-me o desespero à cabeça,
entretanto
só digo que enlouqueço, enlouqueço
já nada digo, 
mais valia ser sempre assim, 
já nada vejo
repito filmes, 
repito os fotogramas à procura das novas imagens
procuro novas fotografias
os ismos estão sempre à minha espera
(talvez devesse ter estudado Tirésias, heresias)
tudo digo, 
levem-me daqui, 
levem-me para as águas frias
já nem canto,
já nem ouço o silêncio
agora só tenho voz para o dispensável
sim, 
enlouqueço
amanhã fico melhor, 
é sempre assim, 
amanhã levanto-me e cumpro os deveres 
não me devia dar ouvidos,
amanhã enlouqueço 
amanhã saio à rua pela madrugada e
deixo-me ficar no fundo da rua à espera que me encontrem
amanhã desisto
amanhã não sei se passo disto
amanhã é dia
amanhã é que dia? 
que dia é hoje? 
hoje é dia de tormento

ah, hoje sou sã.
hoje vingo-me de nada ter dito
hoje quebro a ausência
hoje despeço-me de tudo o que fiz

amanhã um carro vermelho passa na estrada
amanhã passo a comer morangos
no fim da semana reponho os morangos

ah,
fim, 
fim disto tudo
assim,
mesmo,
sem fim.