24.5.14

histórias das galinhas do mato para os ouvintes

mãe, hoje foi um bom dia. 
portei-me bem, como nem sempre o faço. 
não digas ao pai que te disse isto. 
portei-me bem! fiz os trabalhos mesmo sem os ter. 
estive a ler daquelas coisas que depois dizes ao pai que não percebes, 
eu leio-te os livros, vá. 
limpei o meu quarto. ajudei a minha irmã na sala 
e limpei o leite que o gato entornou ontem antes de subir para a mesa da cozinha. sabes que estranhei porque ele nem fez aquele miar de aviso que faz quando faz o que não deve. 
hoje arranhou-me, os arranhões da cara já passaram, não te rales mais com isso. 
não te chateies com coisas pequenas porque nós já somos grandes. 

hoje li aquele livro como te disse que ia fazer, 
conto-te a história lá mais para o fim, agora ouvem-se mal os pensamentos. 
já vêm tarde, como sempre. 
hoje também me deito cedo, e dizes que é estratégia. eu sei disso. 
perguntas-me agora se é Paredes que ouço. não te ouvi perguntar, desculpa. 

lá em baixo eles não se calam, já estamos habituadas. 
é sempre um e se quer ser cá da malta e vai acima, vai abaixo,
e eu só espero que lhes vá ao goto. 

mãe, ouve esta música. era para o Paredes, 
depois cantamos as duas os fados da Amália. 
tens de melhorar os trinados, deixa que eu te ajudo.
toca-me os parabéns no piano, mãe. 
deixa que eu limpo as escadas,
as escadas cheias de terra
as escadas da terra,
já nem te leio os meus poemas,
vou cantar a Habanera para ouvires, mãe. 
mãe, vou estudar, mãe. 
vou dançar, mãe, dança comigo.
vamos as duas cantar, como sempre, 
vamos, mãe,
vamos.